sexta-feira, 29 de maio de 2009

Para não falar de mim


- A música entrava suavemente pela janela do quarto. Era calma. A melodia perfeita para traduzir a beleza do céu azul daquela tarde. A moça sentada na cadeira estava de olhos fechados sentindo a brisa e a música suave que tocava seu rosto e ouvidos. Sabia exatamente de onde ela vinha. Semanas atrás havia visto a mudança chegar na casa vizinha e vira também o lindo piano lustroso preto entrar carregado por quatro homens. Não vira, entretanto, quem era seu dono, não sabia quem tocava, imaginava somente seu rosto, suas mãos, seus olhos... . Sabia que era um moço. Cristian. As vezes esse nome era chamado intensamente na casa vizinha. Perdida nesses pensamentos, despertou de seu "transe" quando a música parou, bruscamente. Uma nota desafinada e passos pelo corredor. Repentimamente resolveu ir até lá conhecer o músico misterioso. Ora, não aguentava mais aquela curiosidade. Queria saber quem era o dono daquelas mãos que tocavam ao piano. Quando chegou ao portão da casa ao lado se espantou. Estava aberto. "Se está aberto é porque devo entrar". Se assustou com tamanho atrevimento, relutou alguns minutos, o coração na boca, mais entrou. Encontrou a porta aberta e quanto pisou na soleira a música recomeçou. Era intensa. E a fez de uma maneira estranha, ter a certeza de que deveria prosseguir. Seguiu pelo corredor guiada pela melodia. A frente havia uma porta, somente uma fresta pela qual visualizou uma silhueta, ele estava ali, tocando, sentado de costas para a porta. Sem pensar duas vezes abriu-a. Ficou ali olhando-o tocar. E pela segunda vez naquela tarde a música parou. Ele virou para ela e os olhos se encontraram. Os dele azuis brilhantes, emoldurados pelos lisos fios de cabelos castanho-claro que batiam na altura dos olhos. "Cristian?". Ela chamou. Ele somente sorriu e apontou para um sofá. Ela sentou e ele recomeçou a tocar. Era lindo. Nem em seus sonhos imaginou tamanha beleza. Ficou ali algumas horas. Ele tocando, escolhendo partituras, perguntando as vezes qual ela preferia. Depois disse que ela deveria ir, mas que eles voltariam a se encontrar. E voltaram. Tardes e mais tardes eles passaram juntos. As vezes conversando, as vezes no silêncio das suas músicas. Crescia uma compaixão, uma cumplicidade, se tornaram mais que amigos. Os olhos azuis de Cristian se tornavam elétricos quando tocavam para ela. Até que um dia a música não veio. Um dia, Dois dias, três...nada de música. O portão permanecia fechado, o silêncio ensurdecedor. Descobriria tarde de mais que ele se fora. Sem despedidas, sem adeus. Somente se fora.


Nota: O final desse texto não cabe a mim. E sim a outra pessoa escreve-lo. Em breve estará aqui. Tem continuação. Essa história de algum modo me tocou.

Por Carolina

2 comentários:

  1. Parece uma linda história !
    quero ler o final ;)

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  2. Para não falar dela

    -O piano postava-se frio à sua frente, calado em seu sábio ébano envernizado. A partitura em branco, como era difícil compor sem tê-la ao seu lado, a melodia perdia o brilho extravagante sem seu doce toque desafiador. Ela, agora, compunha sozinha, não precisava mais dele. Ele, agora, pertencia ao nicho profundo de passado do coração daquela com quem antes compartilhara espírito e alma.

    Seu companheiro de teclas de marfim permanecia calado, talvez em respeito, talvez em reprovação, jamais saberia. Tocaria partituras antigas, poderiam ajudá-lo a inspirar-se. Haveria a mudança de distanciá-los ainda mais? Ao menos a nova cidade mostrou-se acolhedora com seus ares de aventura. A nova casa era esplêndida, a sala do piano, perfeita. O piso de madeira refletia docemente a luz da manhã que penetrava calma através das amplas janelas brancas, que se abriam para o jardim. E silencioso permanecia o antigo sofá de veludo no canto da sala, no qual ainda a via sentada ao olhar repentino.

    O portão da casa mantinha-se sempre aberto, na esperança de que ela viesse e com seu toque mudasse o mundo ao redor. Sabia que ela haveria de voltar, até que um dia ela o fez. Ela veio, com seu estilo atrevido e encantador, e novamente sentou-se no sofá a apreciar suas músicas, bela. E belamente ela retornava, e seu coração enchia-se de uma paz silenciosa e calma, uma paz desconfiada. Seria realmente ela alí naquele sofá?

    Como pudera, sua obcessão fizera-o confundir a meiga vizinha com sua antiga e avassaladora paixão. Aquela que, agora, compunha com outro, e não mais com ele. As tardes se passavam rápidas e ternas, era tão bom ter aquela menina ao seu lado, a serenidade e a alegria habitavam novamente em seu ser. Os olhos de carvalho fitavam-no admirados e apaixonados, talvez fossem de cobre, não sabia ao certo.

    Não, não poderia enganá-la. Jamais poderia corromper sua alma suave e límpida com a decepção voraz e terrível da qual não conseguiria escapar. Jamais poderia compor com outra, não poderia livrar-se tão facilmente da sombra consumidora da antiga companheira que se deitava em seu peito. Teria que parar, haveria de parar, o que fazer? Talvez o tempo pudesse ajudá-lo, ela compreenderia? Não poderia sabê-lo, mas teria que agir. Trancou a sala do piano, e jurou não abri-la até que seu espirito se renovasse de seu triste passado. Somente o tempo, agora, escreveria nas linhas de seu destino.

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