quinta-feira, 15 de julho de 2010

Quando tudo um dia se for



-Há cartas. Há cartas escritas e empoeiradas em uma gaveta qualquer. Fechadas e amareladas. De tempos atrás. De ontem e de hoje. São cartas que nunca foram enviadas. Que nunca chegarão a um destinatário. Que nunca receberão selos e carimbos. São cartas que falam de amor. Que contam uma história bonita de amor que no tempo se perdeu. E com o tempo também esqueceu-se o calor dos abraços. O toque das mãos. O sabor dos lábios. Com o tempo perdeu-se a intimidade, a amizade, o compartilhar. Com o tempo os olhos ficaram secos, vazios, indecifráveis, distantes. O tempo levou tudo isso. Só não levou as cartas. Ainda há cartas. E elas contam o amor que um dia foi. Que um dia existiu. Elas contam de lembranças esquecidas e brincadeiras que se acabaram. Contam de dias de sol, agora amarelados, e juras eternas já várias vezes repetidas. De tudo isso, sobraram somente os papéis. A caligrafia bem elaborada. Datas sem sentido e velhos envelopes. Mas são cartas que nunca foram enviadas. Que permaneceram guardadas. Juntamente com o amor que prometiam. No fim, quando tudo se for, até a lembrança desse amor, ainda restarão as cartas. Haverá cartas de amor. Sempre. Sempre existirão.

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Inspirado no poema "Todas as cartas de amor são ridículas" de Álvaro de Campos - Fernando Pessoa.



Foto de Henrique Godoy - Agradecimentos por me permitir usar uma de suas maravilhosas fotos. Futuramente talvez haja uma parceria (quem sabe?).
www.flickr.com/godoypk

3 comentários:

  1. Belíssima imagem e um texto doce. uma ótima combinaçao (:
    as cartas de amor contam aquilo que nao se quer esquecer completamente (ao menos no momento em que foi escrita). guardam sentimentos geralmente nao ditos. eu gosto dessas cartas; tem um valor muuuuito significativo na minha vida.

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  2. Me vi em seus textos.. Guardo cartas sem destinatários mas carregadas de amor.
    ADOREI.

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  3. Por que você nãos as enterra? Não digo na terra (quem sabe?), mas em um baú. Certamente essas cartas significam algo, fazem parte de você. Não deveriam ser destruídas. Existe uma experiência muito bacana: algumas pessoas guardam coisas de valor sentimental (lembranças) em um baú, que é trancado e esquecido por uns vinte anos. Depois do tempo dito... elas o abrem e descobrem ou redescobrem coisas há muito esquecidas. Analisam o que mudou e o que ficou. Os caminhos que a vida tomou. Todos deveriam ter um baú. E um jardim.

    Abração, Carol!
    Ótimo texto!

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