sábado, 27 de novembro de 2010

Análise


-Eu nunca fui uma pessoa que tivesse muitos amigos.
-E porquê você acha isso?
-Não é uma questão de achar, é um fato em si. Nunca tive muitos amigos. Não era nem nunca fui uma pessoa popular. Não vivia rodeada de meninas que queriam saber de minha vida agitada. Na verdade eu nunca tive uma vida muito agitada...
-Sim, continue.
-Sempre fui muito fechada sabe, com meus segredos somente para mim e para meus diários. Acho que é esse o problema. Sempre escrevi de mais. Como forma de externar os problemas e dores. É, isso mesmo o problema, sempre escrevi de mais. E não deveria, deveria ter procurado alguém, contado...
-Mas escrever não é uma coisa que você considera como seu dom? Sua identidade? Você abriria mão disso se assim, tivesse mais amigos?
-Não. Não. Acho que não. Complicada essa questão. Teria mais amigos se eu não escrevesse como escrevo? Não. Eu sou quem eu sou. Não abriria mão de nada. Mas, essa não é a questão. A questão é que essa falta de amigos me faz muito dependente dele. E não sei se isso é bom.
-Não seria bom porquê?
-Porque ele tem a vida dele, com os amigos dele, e gosta de sair só com eles quando pode. E eu preciso tanto dele, da companhia dele, de conversar com ele. É tão difícil entender que ele não vive só para mim. Que ele quer e deve viver para ele. Somente para ele. E que eu, sou somente mais uma pessoa com quem ele divide, sei lá, alguns momentos. Machuca tanto quando ele liga e me fala que vai sair com fulano, ou ciclano. Ou quando ele diz que está na casa de beltrano. E eu lá em casa, esperando as horas passarem, os dias passarem, para voltar a minha rotina outra vez. Contando as horas para ele estar de volta só para mim, quando ele não fica ansioso para me encontrar. Ele somente deixa o tempo passar.
-Acalme-se. Enxugue essas lágrimas sim. Vamos falar mais sobre isso. Você acha isso uma atitude positiva? Me refiro a essa espera sua com relação aos compromissos dele.
-...Não, não acho positiva. É uma atitude que me consome as vezes. Sempre, na verdade. Só que não consigo mudar, tento entender que não posso estar com ele as 24 horas de um dia. Eu tento de verdade. Mas, como disse, eu sou uma pessoa sozinha, e com ele eu me sinto sempre acompanhada, confortável, amada, querida, segura. E ele sente-se somente bem, quando está comigo. Ele tem a vida dele Doutor, e eu nunca tive a minha.
-Como assim?
-Nunca tive a minha. Nunca tive uma vida. Uma que fosse minha. Sempre vivi com metas, com desejos, com vontades que as vezes nem eram minhas. Eu nunca tive minha turma de amigos, nem um programa que fazia sempre junto com alguém. Sempre fui quieta. E quando batia a solidão eu estudava, lia, escrevia. Chorava sozinha em algum lugar...
-...
-Olha só que bobeira a minha, achava que quando encontrasse alguém isso iria mudar. E não muda não é. Somos somente duas pessoas individuais. Que compartilham somente...não sei o que compartilhamos. E olhe, eu queria que ele fosse a "minha metade". Mas não é. Ele é uma pessoa inteira, assim como eu. Assim como todos somos. E a minha vontade era ter ele só para mim. Em todos os momentos.
-Você não acha isso muito...
-Egoísta? Eu sei. E não é isso que estamos tentando trabalhar aqui Doutor. Digo, não era esse o ponto.
-Sim, sim.
-Eu sou uma pessoa egoísta. Acho que assumir isso já é importante. Só que, escute isso sim. Quem na minha situação não seria? Eu me deparei com alguém que consigo confiar totalmente para me abrir tanto ao ponto de ficar vulnerável. Alguém que é meu amigo. E muito mais que isso. Alguém que nunca tive. Como não ser egoísta?
-Estamos aqui para isso, não é mesmo? Olhe, que tal continuarmos outro dia?
-Certo Doutor, já passou do horário mesmo. Muito obrigada por tudo. Até mais.
-Até mais. Até a próxima.
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2 comentários:

  1. Belo texto. Minha alma estava contida ali, em cada linha.

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  2. Me identifiquei muito com o texto. E você tem razão, todos somos inteiros, não há metades..

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