quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Os ponteiros



-"E tudo mudou...
O rouge virou blush.
O pó-de-arroz virou pó compacto.
O brilho virou gloss.
O rímel virou máscara incolor.
A lycra virou stretch.
Anabela virou plataforma.
O corpete virou porta-seios.
Que virou sutiã.
Que virou lib.
Que virou silicone.
A peruca virou aplique, interlace, megahair, alongamento.
A escova virou chapinha.
"Problemas de moça" viraram TPM.
Confete virou MM.
A crise de nervos virou stresse.
A chita virou viscose.
A purpurina virou glitter.
A brilhantina virou mousse.
Os halteres viraram bomba.
A ergométrica virou spinning.
A tanga virou fio-dental.
E o fio-dental virou ant-séptico bucal.
Ninguém mais vê...
Pingo-Pong virou Babaloo.
O a-la-carte virou self-service.
A tristeza, depressão.
O espaguete virou miojo pronto.
A paquera virou pegação.
A gafieira virou dança de salão.
O que era praça virou shopping.
A areia virou ringue.
A caneta virou teclado.
O long play virou CD.
A fita de video é DVD.
O CD já é MP3.
É um filho onde éramos seis.
O álbum de fotos agora é mostrado por e-mail.
O namoro agora é virtual.
A cantada virou torpedo.
E do "não" não se tem medo.
O break virou street.
O canaval de rua virou Sapucaí.
O folclore brasileiro, halloween.
O piano agora é teclado, também.
O forró de sanfona ficou eletrônico.
Fortificante não é mais biotônico.
Bicicleta virou Bis.
Polícia e ladrão virou counter strike.
Folhetins são novelas de TV.
Fauna e flora a desaparecer.
Lobato virou Paulo Coelho.
Caetano virou um chato.
Chico sumiu da FM e TV.
Baby se converteu.
RPM desapareceu.
Elis ressuscitou em Maria Rita?
Gal virou fênix.
Raul e Renato,
Cássia e Cazuza,
Lennin e Elvis, todos anjos.
Agora só tocam lira...
A AIDS virou gripe.
A bala antes encontrada agora é perdida.
A violência está coisa maldita!
A maconha é calmante.
O professora é agora o facilitados.
As lições já não importam mais.
A guerra superou a paz.
E a sociedade ficou incapaz...
...de tudo.
Inclusive de notar essas diferenças."
Luís Fernando Veríssimo
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Um dia, estava eu e a menina que mora comigo lembrando de um tempo que há muito ficou para trás. Um tempo que não volta. Um tempo que está no passado. Um tempo, no qual nada era complicado como agora. Mas, as coisas são assim mesmo. Acontecem e passam e mudam e transformam tudo. O que ontem era lei, hoje já está ultrapassado, e amanhã será antigo de mais para ser lembrado. O que resta disso tudo é a saudade. Saudade de quando o céu era mais azul, as estrelas brilhavam melhor e tudo não passava de uma pequena preocupação sem sentido. Distante e longe. O relógio corre contra nós. Corre. E, inevitavelmente, o tempo passa.

Um comentário:

  1. Gosto muitíssimo desse texto. Dá uma sensaçao de que apenas a embalagem de todas as coisas mudou porque, no fundo, "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais"!

    Saudade grande de vir aqui.

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