sábado, 4 de julho de 2020

Pequenas sensações


- Eu me lembro de entrar no ônibus e ir me sentar no último banco da fileira de trás. Eu me lembro que o calor era sufocante e eu não conhecia a cidade. Tentava me lembrar das explicações que tinham me dado. Onde deveria descer, para deveria onde andar, como contar as ruas que eram mais conhecidas por números ao invés de nomes. Repetia algumas dessas informações em minha mente, mas em questão de minutos já tinha esquecido tudo. Me perdia olhando a cidade pela janela e ouvindo qualquer música que tocava em meu mp3. O caminho até minha casa era um pouco longo. Uma parte de ônibus e uma parte do caminho a pé. Envolvida em meus pensamentos, observava as pessoas entrar e sair do ônibus em suas já tão conhecidas rotinas. E eu, primeira vez em quase tudo naquela semana, tentava fingir que estava acostumada a tudo aquilo, também. Tudo era tão diferente de minha cidade natal. Não reconhecia as ruas, nem as avenidas, nem os lugares que precisava ir. Não sabia os caminhos e os pontos de referência, mas sabia que era questão de tempo aprender. Na verdade, o desejo de sair de casa, morar em outra cidade, fazer faculdade fora e não morar mais com os pais era tanto, que quase não reclamava e quase não ligava para as pequenas dificuldades do dia a dia. Eu tinha na verdade esse desejo de me provar. E estava indo. Entretida com meus pensamentos e com as ruas e avenidas, imaginei nessa hora que havia perdido o ponto em que deveria descer. Tentei reconhecer algo no caminho, mas não foi possível. Nessa época nossos celulares não eram tão bons para indicar caminhos ou rotas, na verdade, o meu era daqueles modelos bem simples. Talvez só fizesse ligação. Neste susto de perder o ponto de descida, apertei o potão de parada para o próximo ponto. Iria ter que descobrir. Desci. Olhei ao redor. Nada além de casas e mais casas. Não vi de imediato nenhum lugar em que pudesse pedir informações. Enfim, fui caminhando até o final da rua. Fora do ônibus uma brisa leve soprava e amenizava um pouco o calor. Tanto que caminhar se tornou agradável. E eu me senti um tanto feliz e livre. Um quarteirão, dois, três. Encontrei um mercearia. Passei na frente. Ensaiei entrar. Ensaiei a frase que iria dizer. Pensei no ponto de referência que iria usar. Entrei. No balcão, um senhor idoso, de barba e cabelos brancos. Olhos simpáticos. Usava uma boina. Tinha uma caneta na orelha. 
- Boa tarde, moça, está precisando de algo?
- Boa tarde, eu gostaria de uma informação, uhm...preciso ir até e Faculdade de Odontologia no centro. Como faço? 
Ele olhou para mim, deu um sorriso daqueles que entendeu tudo e que viu além do que simplesmente pedi. 
- Vou te mostrar - respondeu. 
Saiu para fora, na calçada. Eu sai atrás. Ele apontou pelo caminho que tinha vindo. 
- Siga em frente por essa rua até o final. Vai ter um ponto de ônibus. Passe por ele, atravesse a rua e siga sempre em frente. Logo você vai avistar a Faculdade. 
Terminou com um sorriso. 
- Precisa de mais alguma coisa? 
Eu, pega de surpresa pela gentileza e pela resposta bondosa, agradeci e segui meu caminho. 
Curiosamente eu estava no caminho contrário do que deveria seguir. Andei na direção oposta, e na verdade, não tinha perdido o ponto de descida. Tinha descido antes. Eu me lembro que a caminhada até minha casa foi muito agradável. Consegui encontrar o caminho de volta e ao me aproximar de meu ponto de referência, já sabia que caminho percorrer. Ali era uma área conhecida. Me lembro de chegar em casa com uma sensação de dever cumprido. De ter conseguido resolver um desses pequenos problemas do dia a dia. Sabia que aos poucos tudo se tornaria rotina. Cotidiano. Comum. Ao deixar a mochila em cima de minha nova cama, em minha nova cidade, senti um pequeno orgulho de mim mesma. Na verdade, esse tipo de aventura era o que sempre quis. Naquela época eu não sabia, mas já estava vivendo meu sonho. Naquela época não sabia, mas a cidade da Laranja iria ser minha casa, parte de minha vida e se tornaria mais conhecida do que poderia imaginar. Naquela época, eu ainda não sabia, mas era só o começo de tudo. 

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