sábado, 31 de agosto de 2013

Pelo lado de fora


- Os olhos dele eram sempre misteriosos. Julgadores. Justos. E davam aquela impressão de antiga e vasta sabedoria. Os olhos eram de uma imensa vivência. Daqueles que viram de tudo, e que sabem de tudo. Só que insistia em dizer que de nada sabia. As palavras eram poucas. Os pensamentos eram muitos. As frases cuidadosamente elaboradas. Os olhos inquietos observavam tudo. Viam tudo. Compreendiam, porém, tão pouco. Sempre havia aquele segredo por trás desses olhos. Sempre havia aquele imenso oceano calmo, que dificilmente se agitava. E sempre havia a curiosidade. E uma grande vontade de minha parte, de mergulhar. De se jogar, de se afogar nesse oceano. De nunca voltar antes de compreender tudo. Poderia demorar dias, meses, anos mas a volta nunca seria uma opção até que a última compressão não estivesse clara. Só que me contentava em somente andar na praia. Em somente olhar de fora para aqueles olhos e imaginar. Em somente perguntar. Em somente tentar entender os motivos desses olhos tão sedutores. O tempo passaria. Os invernos. As primaveras. Os verões. E eu nunca mergulharia. Ficaria, talvez, nessa praia a contemplar os mistérios desse enorme oceano de olhos. Para sempre. Por toda a vida. A espera de um convite.


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terça-feira, 27 de agosto de 2013

Eu nada sei

-Me sinto assim, mais livre, mais feliz quem sabe. Me sinto assim, com essa sensação de que as coisas mudaram, de que os dias passaram, de que os tempos não são mais os mesmos e de que eu já sou outra pessoa. Diferente. Não diferente de mim. Eu mesma, mas mais segura, mais calma, mais tranquila, mais forte. Hoje tenho a certeza de que os ventos são mais fortes, só que eles não me levam mais. Eu os sinto, e eles batem em meu rosto trazendo vozes que antes não ouvia, trazendo sorrisos de uma certeza sem nome que sinto, somente. Hoje eu sei que mudei. Não a essência, o interior, isso foi resgatado, não. O que mudou foram as certezas, a segurança, o sorriso, o brilho dos olhos. O frio é sentido com mais intensidade, o calor também, a vida é vivida um dia de cada vez, sem deixar de esperar ansiosamente o próximo e o desfecho de tudo, mas sabendo que cada pedra neste caminho deve ser recolhida e sentida. Me sinto assim, mais eu. Me sinto assim, como se tivesse renascido sem precisar ter morrido. Morri dentro de mim, para que pudesse renascer naquilo que sempre tive certeza que seria melhor e tinha perdido. Morri sem deixar de existir, e vi que eu mesma estava sempre presente, mas afastada. Voltei. E hoje sinto os ventos mais fortes, os ventos mais frios, os ventos mais quentes. E sei que o que eles me dizem. E sei afinal, que estou mais firme, dentro de mim.


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"Ando devagar porque já tive pressa, e trago esse sorriso porque já chorei de mais..."

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Ser bem assim

-Havia um tempo em que os dias eram mais quentes e as noites mais claras. Havia um tempo em que tudo parecia tão distante e duro e tenso e trágico. Havia um tempo em que as horas arrastavam, em que as dúvidas eram constantes, em que os pensamentos infinitos em dias melhores eram cotidiano. Havia um tempo em que se desejava mais, em que se ansiava mais, em que se desesperava mais. Havia um tempo, assim longe de hoje, assim distante das horas de agora, em que tudo parecia um turbilhão de cores. Esse tempo passou. Assim como todos os outros tempos, idos e vindos nesse eterno vai-e-vem de sensações. Nessa eterna roda gigante. Nessa vida.

Houve um tempo, em que os sonhos eram obrigação, em que decorar respostas e suar as mãos era típico, em que o desconhecido era breu. Houve um tempo em que pensar além de alguns meses era difícil, em que planejar o futuro era impossível, e que contar as horas era rotina. Houve um tempo no qual a impaciência reinava, no qual as horas passadas pensando nas próximas horas tendiam ao infinito, no qual pousar os olhos na linha do horizonte e ter paciência era angustiante. Houve um tempo para isso, assim como houve um tempo para se ser jovem. E ser jovem era ser e viver tudo isso.

E houve também, um tempo de descreditar. De descrer. De achar que tudo que era correto estava de cabeça para baixo. E nesse tempo se descobriu que o de cabeça para baixo era o lado mais correto. Houve esse tempo, e muitos outros. Houve pessoas também. E palavras. E muitas palavras ditas, e muitos acordos desfeitos, o que é comum visto que quando se lida com pessoas, acordos são desfeitos a todo momento. Mas houve um tempo de sentir dor pelos acordos, e sentir angustia pelo que estava errado e deveria estar certo. Houve um tempo de desconcerto. Houve de tempo de ingratidão. Houve um tempo de lágrimas. Um tempo de pensar que assim, desse jeito, não poderia mais ficar. Após, sempre havia um tempo de reflexão. De luzes baixas e pouco brilhantes, de olhos fechados, de bocas caladas, de pensamentos a todo vapor, de entendimento. E houve compreensão.

Na verdade, era tempo de ser jovem. E era o tempo de sendo jovem, deixar de ser. De crescer. Mesmo quando parece que já se é alto o bastante. Porque o importante não é a altura. Então se vai. Se deixa, se esquece, se desprende e se solta. Leve, mas não livre. Solto, mas não desamparado. E surge um tempo de luz clara e brilhante, de pousar os olhos no horizonte com firmeza e garra, de acender a lanterna no breu do desconhecido e se provar.

E surge aquela paz, aquela calma azul, serena e plena. E a certeza de que realmente não se deve planejar mais do que alguns meses, de que o futuro é realmente impossível e de que nada importa do que estar por vir. Importa o que vier. Importa o que tiver. Como quiser. Como for. Como chegar. Na hora, será.

E será daquele jeito sublime e único e grande, como a grandeza dos momentos que se aguarda com calma. O que acontece antes, é preparação. O tempo que houve antes é necessário. Afinal apagar a luz é imprescindível.

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-Guardo no bolso a velha certeza de um amanhã. Somente isso vale. A certeza de um amanhã.