terça-feira, 23 de agosto de 2011

Horas vazias

-Eu não sou tão autossuficiente assim. É verdade que estou acostumada a fazer coisas sozinha, a não compartilhar com ninguém pensamentos, idéias, dúvidas, incertezas. É verdade que eu não me abro tão facilmente, que eu não gosto de parecer vulnerável, chorona, "molenga". É verdade que na maioria das vezes era somente eu e eu mesma, e sendo assim, não havia muita coisa a ser feita, a não ser, ser feita de maneira solitária. É difícil, então, passar a dividir tudo o que antes não era dividido com alguém. Uma relação. Duas pessoas, compartilhando. Não foi, e não é fácil, encontrar palavras. Até hoje não sei como lidar com muitas situações que tenho que mostrar um lado de mim, digamos, mais fraco. Só que ao meu ver, este não é o grande problema. O grande problema é que após passar alguns dias, horas, minutos, segundos, tendo companhia para as horas de resoluções de problemas ou simplesmente para as horas livres e preguiçosas, quando eu me vejo sozinha novamente fica realmente complicado aceitar. Aceitar que por enquanto não se vai cozinhar para ninguém, que não se vai discutir qual a melhor solução para aquele problema, que não se vai rir das piadas, que não se vai contar com a cumplicidade dos olhares. Toda e qualquer hora solitária passada por mim agora, é uma tortura. É uma forma de sentir que voltei ao inicio de toda solidão, por alguns segundos, minutos, horas, dias. E isso com certeza, não é algo que eu queira. Esse momento aqui, sozinha, pensando em onde irei almoçar, como irei almoçar, o que farei com esse tempo tão longo e tão triste após a ausência de alguma companhia que realmente me entenda, só me faz querer uma coisa. Só me faz querer uma coisa para preencher essas horas vazias, só me faz pensar em uma coisa para encher esse espaço ocioso. Voltar para casa. Quero voltar para casa.

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domingo, 7 de agosto de 2011

Desajuste

Poema em linha reta

Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos[...]. "



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Quem nunca se sentiu assim?
É somente uma fase, vai passar. Espero.